quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Tratores petistas 3

Apesar de ter sido escrito há 65 anos Coronelismo, Enxada e Voto (CEV) de Victor Nunes Leal ainda é a literatura que melhor analisa o fenômeno do governismo ilustrado pela nota petista Deputado Amauri entrega tratores em Mirangaba e Campo Formoso (ver aqui a nota).

Desde então, o país mudou muito e, como previa Leal, o coronelismo conforme descrito por ele se esvaneceu graças ao avanço da urbanização, ao enraizamento do sistema representativo democrático e ao aumento da competição eleitoral, muito mais vigorosa hoje do que nas primeiras décadas do século passado. Restou, contudo, o predomínio político do poder central sobre o poder local e a enorme capacidade centrípeta do governo federal – e do grupo político que o controla – em relação às demais forças políticas do país. Ou seja, restou o governismo, que, no modelo de Leal, é uma das marcas do coronelismo. Como diz ele, “o ‘coronelismo’, como sistema político, tem feição marcadamente governista.” (pg 254)

Fernando Limongi publicou recentemente um ótimo artigo sobre CEV no qual destaca pontos fundamentais do modelo de Vitor Nunes Leal. Vou pegar carona na análise de Limongi. Segundo ele, no modelo de Leal “há coordenação e alinhamento políticos dos líderes dos três níveis distintos de governo” (pg 141). O sistema está assentado na troca de benefícios entre os poderes local e federal. Nesse sentido, observa Limongi, é um compromisso que representa um “equilíbrio, no sentido técnico do termo” (pg 146) pois todos os agentes envolvidos saem ganhando e estaria em pior situação fora do equilíbrio. Nesse sistema, “o exercício de poder traz consigo retornos no plano eleitoral (...). Enquanto garantir a maioria dos votos locais, o chefe local se credencia a receber as benesses do oficialismo” (pg 146). Quanto mais pobre o município, mais sólido é esse esquema, dada a dependência em relação a verbas transferidas pelos governos estadual e federal.

Na minha dissertação de mestrado, encontrei evidências empíricas de que esse alinhamento entre o poder local e o poder federal, ainda hoje, é mais acentuado em municípios semelhantes a Mirangaba e Campo Formoso, pequenos e de baixo IDH. André Marenco dos Santos, em paper de 2013, também encontrou evidências do alinhamento entre o poder local e o federal. Segundo ele, “a hipótese de que alinhamento ao governo federal possa constituir importante capital político na competição eleitoral local foi confirmada (...) Alinhamento com o governo federal constitui o grande trunfo para candidatos locais”. Vale para os candidatos a prefeito e também a deputado federal, como provavelmente será o caso de Amauri Teixeira neste ano.

Para os pequenos agricultores de Mirangaba e Campo Formoso, contudo, nada disso importa. O que interessa é que receberam tratores novinhos. Quem poderá condená-los se votarem e fizerem campanha para o deputado petista?

Referências

LEAL, Victor Nunes (1978[1949]). Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Editora Alfa-Ômega.

LIMONGI, Fernando (2012). “Eleições e Democracia no Brasil: Victor Nunes Leal e a Transição de 1945”. Dados – Revista de Ciência Sociais, Rio de Janeiro, vol. 55, no. 1, 2012, pp 131-163.

SANTOS, André Marenco dos (2013). “Topografia do Brasil profundo: votos, cargos e alinhamentos nos municípios brasileiros”. Opinião Pública, Campinas, vol. 19, no. 1, 2013, p.1-20.

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