quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Receita Federal preocupada com o emprego


Saiu uma reportagem no Estadão em 24/09/2014 dizendo que a "Receita Federal vai apertar a fiscalização nos aeroportos em 2015".

Vários aspectos me chamaram a atenção. Passo a discuti-los a seguir.

Violação de Privacidade

As companhias aéreas informarão vários dados dos passageiros ainda na origem do vôo como peso da bagagem, origem do vôo, localização do assento do passageiro (!), etc. Depois disso, a Receita Federal cruzará com os dados que tem para decidir se o passageiro será ou não fiscalizado. 

Tenho a impressão que os Estados Unidos fazem isso, mas a alegação é outra. Eles estão preocupados com terroristas e não me consta que o cidadão de seu país seja fiscalizado por causa dessas informações. Por isso, acredito que a informação vá para a Imigração e não para o IRS. Se isso for correto, o procedimento no Brasil é inovador.

Então, pergunto se o envio dessas informações à Receita Federal não constitui violação de privacidade. Alguém sabe responder?

Atraso na Implantação de Leitura Facial

O procedimento de fiscalização será feito via leitura facial. Isso já é feito em países europeus e nos EUA, portanto a imigração está caminhando na fronteira das inovações tecnológicas. (Ou seria a Receita Federal?).

Para não variar, a tecnologia deveria ter sido implantada antes da Copa, mas não foi. Você está surpreso(a)?

A Pérola

O que mais me chamou a atenção foi a seguinte frase proferida pelo Secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto (ou, não ficou claro, pelo Subsecretário, Ernani Checcucci): "A atividade aduaneira não é só tributação. Buscamos a proteção da indústria e do emprego nacional." 

A frase revela várias coisas interessantes que passam na cabeça de nossas autoridades.

1. Desde quando é função da Receita Federal proteger a indústria e o emprego nacional?

2. A frase não vem da cabeça desses nobilíssimos contribuintes. Certamente foi ouvida nos corredores da Ministério da Fazenda e reproduzida na entrevista. Por que essa inferência? Porque o fiscal da Receita Federal é... fiscal, e a ideia estúpida que fundamenta a frase não é típica de fiscais da receita, mas de técnicos de outras alçadas.

3. Mostra que a Receita Federal tem consciência de que sua atividade de arrecadação é mal vista, por isso precisam achar uma função melhor para o que fazem. Mas, note, ela só é mal vista, porque a população não recebe dos pagamentos de impostos a prestação de um serviço decente na saúde, segurança pública, etc.

4. A ideia revela a grande "maldade" da Receita Federal: prejudicar o tanto quanto puder o consumidor, principalmente aquele que é assalariado, junta um dinheirinho para ir ao exterior e não pode trazer produtos de lá.

5. A ideia revela hipocrisia, pois, se a função da Receita Federal fosse, de fato, proteger o emprego nacional, deveria reduzir a carga tributária, estimulando o consumo interno e as exportações. (Eu sei que não é a Receita Federal que determina quais impostos e por qual alíquota serão cobrados. Mas essa ideia protecionista vem da alçada que pode alterar a lei para isso.)

Enigma

Não sou contra o aumento da fiscalização para cumprimento da lei. Mas, sou contra a manutenção do teto de US$ 500 para compra de produtos no exterior. Esse valor é o mesmo há décadas. Considerando que o número de brasileiros que viajou para o exterior no primeiro semestre foi de 11 milhões de pessoas (está na mesma reportagem), e que todos eles trazem esse valor em produtos do exterior, isso representa 0,57% do PIB. Mesmo os gastos totais de viagens ao exterior não é muito representativo em relação ao PIB, acho que deve ser algo em torno de 1,4%.

Aí ocorre-me o seguinte enigma. São fatos que o valor a ser gasto com mercadorias trazidas por turistas não é tão representativo em termos de PIB e que o valor máximo está congelado há décadas. Além disso, o aumento do valor máximo estimularia a competição com produtos nacionais com o potencial de melhorar sua qualidade e o preço ao consumidor final. Então, por que o governante do turno não acena com um pequeno afago à classe média e aumenta o valor máximo de mercadorias que é permitido trazer do exterior para uns US$ 2 mil?

7 comentários:

  1. Não é só a fiscalização para cobrança de tarifas, acho que dá para encaixar barreiras não-tarifárias nisso. Se o próprio burocrata tem consciência da sua função protecionista, ele pode barrar produtos importados por não atendimento a alguma regra e etc.

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    1. Sim, há barreiras não-tarifárias do tipo limite de 12l de bebida alcoólica, 20 bugigancas, etc.

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  2. Rodrigo, vamos por partes: (i) do ponto de vista do governo, maximizar a receita está certo, então a atitude da RF é correta. Tem uma discussão moral aqui, TALVEZ, mas acho que se o cara tem incentivos a condutas para nao pagar impostos, coerção é algo que deve ser usado -- neste caso, invadir a privacidade. (ii) não entendo que a RF esteja agindo como extensão de uma policy em que a indústria local esteja sendo protegida. Parece-me mais um discurso demagogo para justificar o aumento da rigidez com aqueles que importam bens sem pagar impostos.

    Dito isso, o Brasil é um dos países mais fechados do mundo e a cada dia se torna ainda mais. Por outro lado, é injusto que o cara que tenha grana para ir comprar no exterior consiga adquirir bens mais baratos do que o pobre. Solução para isso seria AUMENTAR A MALDITA ABERTURA ECONOMICA.

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    1. Concordo com o ponto (i) de modo geral. Invadir privacidade, não concordo. Mas é questão de opinião. A população dos países de origem ibérica parecem aceitar melhor esse tipo de coerção. ACHO que isso é mais difícil acontecer em países de origem anglo-saxônica, calvinista/luterana... De todo modo, apenas aponto a dúvida jurídica que tenho. Como disse, acho que o sujeito tem que ser fiscalizado.
      Sobre o ponto (ii), concordo mais uma vez. Como disse, o discurso não é típico de um fiscal.
      E, mais abertura e menos impostos de importação.

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    2. Eu acho que tem outro ponto aqui: o tal teto de isenção -- ou cota -- é uma política injusta (ou seja, concordo com o que foi dito) e nem sei se justificável (custo de monitoramento?!). Se por um lado o custo da RF de monitorar 100% dos viajantes seria muitíssimo maior, por outro uma cota de 0 praticamente imporia uma receita não negativa de 100% dos caras que fossem fiscalizados. Creio que isso geraria uma receita maior e seria mais justo do ponto de vista social.
      Enfim, a tal cota é algo injustificável do ponto de vista social e tenho minhas dúvidas sobre ser justificável do ponto de vista da economia do setor público. Então, tanto faz atualizar ou não os 500USD. Essa política é meio esquisita independentemente do valor.

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  3. Que DELÍCIA de país gente!

    Bom pra casas bahia que vai continuar cobrando 2500 reais num laptop de quinta categoria, que lá fora custa 600 dólares...

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  4. Leva uma pedra na bagagem na ida, simples

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