quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Quanto custa uma árvore?


Ontem li nos jornais que um juiz concedeu uma liminar embargando o segundo maior empreendimento em construção na cidade de São Paulo -- um complexo de torres residenciais, escritórios, hotel e até um shopping. A notícia pode ser vista aqui.

A notícia merece destaque por três razões.

Primeiro porque ilustra a falta de accountability e "economic literacy" nas decisões de muitos juízes das cortes brasileiras.

Consta na notícia que o empreendimento já tinha obtido as licenças ambientais do órgão regulador estadual. Todavia, um grupo de locais, por intermédio do Ministério Público (cujo laudo está servindo para fundamentar a decisão do juiz), achou por bem questionar a obra. O argumento do magistrado, que levanta suspeição sobre a decisão da agência ambiental (vejam a incerteza jurídica que eventos como esses criam), é o de que o empreendimento vai derrubar árvores em uma extensão de 10 mil m². A decisão claramente tem um custo. Mas qual o benefício?

Considerando que o tronco de cada árvore tem 1m de largura e deve requerer um raio de uns 2m de espaço vazio, cada árvore deve ocupar uma área de 25m². Estamos falando, portanto, de umas 400 árvores. Que o empreendimento tem impacto ambiental é fato -- que intervenção humana não tem? O problema aqui é que a decisão do magistrado parece não ter feito uma análise de custos e benefícios -- ou se fez, colocou um valor de pelo menos R$ 2.5 milhões em cada árvore. Digo pelo menos porque o investimento de praticamente R$ 1 bilhão teria obviamente outros efeitos de segunda ordem -- como contribuir para o emprego e a qualificação da população no entorno (favela Paraisópolis) e ajudar a regenerar uma área que é hoje deprimente, para dizer o mínimo. 

Não é só uma questão de contabilizar ônus e bônus. Mas fazer a conta intertemporal, isto é: uma conta mais precisa deve levar em consideração ganhos e custos ao longo do tempo de cada decisão possível (e não só das árvores a serem derrubadas mas de outras modificações ambientais na área).

Veja a foto abaixo com imagem aérea do local e o croquis do projeto. 




Segundo porque a vasta maioria dos comentários à notícia são no sentido de apoiar a decisão do juiz de embargar a obra. A reação "anti-negócios" é interessante porque me soa como inconsistente com o interesse -- de muitos imagino -- de ver progresso material onde vive.

Por fim, e terceiro, porque a notícia ilustra as incertezas regulatórias e jurídicas em geral que frequentemente emperram os investimentos no país. Afinal, quem em são consciência vai investir bilhões em um projeto sabendo que, mesmo depois de passar pela maratona de obtenção de alvarás e toda sorte de licenças, pode ver as decisões dos orgãos regulatórios anuladas por algum um juiz e os parâmetros do seu projeto de investimento completamente alterados? Sei de fontes que a decisão de embargar a obra foi a gota d'água para que alguns fundos de investimento estrangeiros, que se instalaram no Brasil na época do boom, resolvessem encerrar suas operações no país. Essa é uma "externalidade" que também deveria ser fatorada na conta de quanto estamos dispostos a pagar para salvar uma árvore. 

No free lunch

Gostemos ou não, há um tradeoff entre progresso material e degradação ambiental. Desenvolvimentos tecnológicos estão melhorando os termos desse tradeoff, mas não fazendo-o desaparecer. 

É fácil, para quem já atingiu níveis de primeiro-mundo de conforto material, falar (e legislar em favor de) que já estamos em um ponto satisfatório desse tradeoff e que, portanto, devemos impor à sociedade -- sobretudo aos mais pobres -- um alto sacrifício material para manter mais algumas árvores (i.e., cobrar caro por cada árvore destruída). Para essas pessoas o custo relativo dessas decisões é bem menor (é por isso, talvez, que é raro vermos ambientalistas pobres).

Aliás, muitos ambientalistas e auto-proclamados defensores dos mais pobres (essas coisas frequentemente estão correlacioandas) não parecem infelizmente ter atentado para o ônus que muitas bandeiras que defendem impõe sobre exatamente os que eles dizem defender: os mais pobres.

Verde domesticamente; Cinza internacionalmente
Essa discussão é interessante porque ela replica nacionalmente, ao menos em alguma medida, os mesmos tipos de conflitos existentes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nas questões de regulação ambiental -- com destaque aí para os protocolos internacionais que tentam impor restrições à emissão dos chamados greenhouse gases.

O Brasil, aliás, é signatário do potocolo de Kyoto. Esse protocolo estipula metas de emissão desses gases. Mas as metas brasileiras não são binding. E o país está sempre defendendo que as metas de corte sejam maiores para os países mais ricos e que não vai aceitar -- ao menos ainda -- que suas metas sejam binding -- ou seja: enquanto for pobre, deve ter o direito de poluir o ambiente mais do que os ricos.

6 comentários:

  1. Texto bem interessante, principalmente acerca da incerteza jurisdicional que ações desse tipo podem criar. Mas acho que um ponto que, me parece, foi dado como certo por você, de que o investimento iria "contribuir para o emprego e a qualificação da população no entorno (favela Paraisópolis) e ajudar a regenerar uma área que é hoje deprimente, para dizer o mínimo. " é no mínimo questionável. Empreendimentos desse porte, de maneira geral, tem efeitos ambíguos, pois podem criam empregos, mas podem degradar ainda mais o entorno da área, com o congestionamento de carros que inevitavelmente se criará, além de possivelmente criar uma segregação ainda maior da favela. Não é certo que existe esse efeito negativo, mas vejo como um exemplo os 'espigões', prédios de quatro ou cinco torres com muros altos em bairros degradados que deixam as ruas do bairro ainda mais desertas (só ver a região do ipiranga e da barra funda, onde pipocaram bastante). Os impactos urbanísticos devem ser analisados com mais cuidado, na minha opinião. O que você acha, Sergio?

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    1. Obrigado pelo comentário. Sim, tem efeito para os dois lados -- ruins e bons. Meu ponto é que o efeito líquido é provavelmente positivo -- a menos, é claro, que coloquemos um valor gigantesco na canalização de rios, na derrubada de algumas centenas de árvores (que não precisam sumir permanentemente da região) e no desprazer de enfrentar o congestionamento que vai existir na área.

      Mas o ponto era mesmo o de levantar exatamente a questão que vc mencionou: o de que essa análise de custo-benefício deve ser feita de forma mais "comprehensive". Minha impressão é que os juízes estão tomando decisões com base em um pedaço da conta na mão apenas.

      Se vc já passou na área onde esse empreendimento seria implantado (não sei se vão levar à cabo. É provável que lift o embargo custe para a empresa. Mas esse custo extra, como ouvi de alguém da área, pode "comer" o retorno do investimento ao ponto de torná-lo não ais atrativo), verá que dificilmente uma obra desse porte ali vai deixar o lugar pior. Não há vestígio de urbanidade na área. Não sei exatamente o que vc quer dizer com segregação (o que seria uma favela não segregada?). Mas não consigo ver como um empreendimento desse tamanho -- que vai inevitavelmente contratar a mão de obra das pessoas que vivem em Paraisópolis -- vá piorar a segregação do lugar (em qualquer sentido razoável que vc possa dar ao termo).

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  2. isso se chama "síndrome do pequeno poder" que, infelizmente, muitos juízes bunda sujas possuem. Pra quem achava que esse fenôme se restringisse apenas à PM...

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  3. Qualquer cidade na Europa surpreende o observador atento pela arborização das ruas e abundância de parques e praças. Principalmente as áreas em torno de rios são mantidas, tanto pela importância para o ecossistema quanto para a população que as utiliza como parque e para esportes aquáticos. Igual aqui em São Paulo com esses quilômetros e mais quilômetros de cinza não tem no mundo desenvolvido.
    Não acho que o debate sobre insegurança jurídica cabe neste caso. Pelo post e pela notícia, não conhecemos toda história. A notícia sugere irregularidades; não sabemos se o desmatamento foi maior que o acordado.
    Também não acho que seja uma questão de empurrar o tradeoff desenvolvimento e meio ambiente, porque na comparação com a Europa fica claro que já empurramos esse tradeoff mais do que eles.

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    1. Acho que você não sabe o que significa trade-off.

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  4. E se a gente pensasse essas decisões analisando o bem estar pessoal dos juízes ao invés de analisar o bem estar social?

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